Ary Brasil Marques
O homem costuma avaliar os
acontecimentos da vida como castigos divinos. A maioria das pessoas acredita
que o ser humano é pecador, e que seus pecados redundam em castigos por parte
de Deus.
Essa maneira de pensar foi
herdada da maneira equivocada de como as religiões abordam o assunto. A
interpretação bíblica do paraíso perdido, do pecado cometido por Adão e Eva, da
influência da cobra e da expulsão do casal do Éden e sua consequente vida de trabalho,
considerando-se como um mal o suor do homem na busca de seu sustento, criou nas
pessoas a falsa ideia de que o homem tem que sofrer e que ele é um pecador que
deve ser punido pelo seu pecado.
Outra consequência desse
erro é se acreditar que Deus é cruel e vingativo, e que Ele castiga aos seus
filhos. E erro maior ainda é o de se considerar esse castigo eterno em local
destinado ao suplício dos pecadores, por toda a eternidade.
O Espiritismo nos dá uma
outra visão. O homem não é um pecador, é um espírito criado simples e
ignorante, destinado a alcançar, por seu próprio esforço, a plenitude, a
perfeição, a felicidade. Deus criou a todos iguais, sem privilégios para
ninguém, e dotou o homem do livre-arbítrio para que cada um possa caminhar com
inteira liberdade de ação e aprender com o próprio erro. Estabeleceu normas e
bases corretas, e uma lei de reajuste automático denominada Lei de Causa e
Efeito.
A Lei de Causa e Efeito é
complemento necessário à Lei de Justiça, de Amor e de Caridade. Por ela o homem
vai se depurando, evoluindo, corrigindo os erros, até conseguir, mercê de seu
próprio esforço, alcançar a perfeição e a consequente felicidade.
A Lei de Causa e Efeito é
também chamada Lei de Ação e de Reação. É uma lei automática, ou seja, já tem
embutida em si mesma os efeitos decorrentes de nossos atos. Atos bons trazem
como consequência efeitos bons. Atos maus, efeitos maus. Assim, quem planta
ventos colhe tempestades. Quem planta amor colhe amor. A semeadura é livre, a
colheita é obrigatória. Todos, absolutamente todos, colherão sempre apenas e
tão somente o que plantarem. Ninguém poderá colher maçãs se plantou bananas.
O homem, no início simples e
ignorante, vai agindo e ampliando o seu livre-arbítrio à medida que evolui e
adquire mais conhecimentos. Ele erra, porque não conhece. Com as consequências
de seu erro, ele aprende, e quando aprende não erra mais.
Há uma diferença fundamental
entre o erro e o pecado. Erro é consequência de desconhecimento, de
imaturidade, de falta de calma, de falta de melhor estrutura. É o caso das
crianças, que em sua aprendizagem sofrem muitas vezes efeitos de seus atos
imaturos e imprecisos, até que, já adultos, sorriem ao verificar quanta coisa
tiveram de passar por sua própria culpa. Muita gente costuma dizer: “se eu tivesse,
quando mais moço, a experiência que tenho hoje, como as coisas teriam sido
diferentes.”
Pecado, segundo o Dicionário
Caldas Aulete, é a transgressão de uma lei religiosa ou dos preceitos da
Igreja. Segundo o mesmo dicionário, todos nós que somos espíritas e que não
seguimos os preceitos da Igreja e suas leis, somos pecadores.
Para nós, Deus é a suprema
perfeição, causa primária de todas as coisas. Deus é infinitamente bom e justo
e não castiga os seus filhos, que não pediram para ser criados e se são ainda
imperfeitos e cheios de falhas e erros, são porque foram feitos assim por Ele.
Deus nos criou para a
felicidade, não para o sofrimento. É um erro supor que a Terra será sempre um
vale de lágrimas. Ela, hoje, ainda planeta de expiação e de provas, abriga em
seu seio espíritos muito imperfeitos, e a situação caótica do mundo nada mais é
que a colheita coletiva que estamos fazendo dos atos repletos de egoísmo e de
desamor que temos feito ao longo de nossa grande caminhada pela fieira das
reencarnações.
Mas um dia, com toda a
certeza, aprenderemos com os nossos próprios erros, e colocaremos em nossos
corações o evangelho de Jesus. Aprendendo a nos amar, e colocando esse amor na
frente de todos os nossos atos, mudaremos o mundo e construiremos aqui na Terra
um planeta maravilhoso, habitável, fraterno, saudável e feliz.
Somos os construtores de
nosso destino. Por enquanto, é um destino muito feio, calcado no egoísmo, no
orgulho, na prepotência. Mas as consequências de nossos erros guardam em si
mesmos o remédio para nossos males, e nos impulsionam a mudar, a modificar
nossa vida, nossos hábitos, nosso modo de agir.
Um velho carpinteiro estava
para se aposentar. Contou a seu chefe os planos de largar o serviço de
carpintaria e de construção de casas para viver uma vida mais calma com sua
família. Claro que sentiria falta do pagamento mensal, mas necessitava da
aposentadoria.
O dono da empresa sentiu em
saber que perderia um de seus melhores empregados e pediu a ele que construísse
uma última casa como um favor especial.
O carpinteiro consentiu,
mas, com o tempo, era fácil ver que seus pensamentos e seu coração não estavam
no trabalho. Ele não se empenhou no serviço e utilizou mão de obra e matérias
primas de qualidade inferior.
Foi uma maneira lamentável
de encerrar sua carreira.
Quando o carpinteiro
terminou o trabalho, o construtor veio inspecionar a casa e entregou a chave da
porta ao carpinteiro:
“Esta é a sua casa”, ele
disse, “meu presente para você.”
Que choque! Que vergonha! Se
ele soubesse que estava construindo sua própria casa, teria feito completamente
diferente, não teria sido tão relaxado. Agora iria morar numa casa feita de
qualquer maneira.
Assim acontece conosco.
Construímos nossas vidas de maneira distraída, reagindo mais que agindo,
desejando colocar menos do que o melhor. Nos assuntos importantes não
empenhamos nosso melhor esforço. Então, em choque, olhamos para a situação que
criamos e vemos que estamos morando na casa que construímos. Se soubéssemos
disso, teríamos feito diferente.
Pense em você como o
carpinteiro. Pense sobre sua casa. Cada dia você martela um prego novo, coloca
uma armação ou levanta uma parede. Construa sabiamente. É a única vida que você
construirá. Mesmo que tenha somente mais um dia de vida, esse dia merece ser
vivido graciosamente e com dignidade.
Na placa na parede está
escrito:
“A
vida é um projeto de faça você mesmo.”
Quem
poderia dizer isso mais claramente?
Sua
vida de hoje é o resultado de suas atitudes e escolhas feitas no passado.
Sua
vida de amanhã será o resultado das atitudes e escolhas que fizer hoje.”
O episódio acima nos dá a ideia
exata de que a justiça divina, que, como diz o povo, não falha, é centrada em
nossos próprios atos. Nós plantamos, e nós colhemos. Deus não irá nos castigar
porque erramos. Nós sim, colhendo o resultado do que plantamos, vamos nos
melhorando, nos aperfeiçoando, até podermos alcançar nosso objetivo, que é a
felicidade e a perfeição.
SBC, 31/01/2001.
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