Ary Brasil Marques
Comecei a gostar de futebol em 1938. Eu era criança e morava na cidade de
Alfenas, em Minas Gerais. Naquele tempo, ouvíamos pelo rádio os narradores
esportivos transmitir com detalhes e emoção as partidas de futebol do Rio e de
São Paulo. Não havia televisão, mas era tal a perfeição dos locutores que
“víamos” em nossa tela mental cada lance das partidas.
A Copa do Mundo de 1938 se realizou na França, e acompanhamos pelo rádio
a transmissão feita pelo técnico da seleção brasileira, Adhemar Pimenta, pois
naquele tempo as emissoras não tinham recursos para enviar seus profissionais a
viagens internacionais. De longe, embora com as deficiências de uma rádio cheia
de chiados e de pouca qualidade, vibramos com as defesas de Batatais, as
avançadas de Zezé Procópio e os gols de Leônidas.
O Brasil ficou em terceiro lugar, pois foi prejudicado pelo juiz no jogo
com a Itália. A bola havia saído pela linha de fundo, portanto não estava mais
em jogo, quando Domingos da Guia, o nosso extraordinário zagueiro, atingiu o atacante
italiano na área brasileira. Não era possível dar o pênalti que o juiz deu,
pois a bola havia saído antes. Essa penalidade determinou a vitória da Itália
na semifinal, e os italianos acabaram sendo campeões.
De acordo com a imprensa do mundo inteiro, a melhor seleção foi a do
Brasil, que encantou a todos com jogadas magistrais.
A partir dessa data, o Brasil se agigantou no futebol. A guerra fez com
que a Copa do Mundo ficasse muitos anos sem ser disputada.
Em 1950 a Copa do Mundo foi no Brasil. O Maracanã, maior estádio do
mundo, foi construído para essa competição.
O Brasil venceu todos os adversários com facilidade, e entrou em campo
para disputar a final com o Uruguai como favorito, pois tinha uma equipe muito
melhor do que as equipes competidoras.
Com o estádio lotado, mais de 200.000 espectadores, fomos derrotados por
2 x 1. Foi uma decepção. Os nossos supercraques foram vencidos, e aprendemos
com amargura que ninguém é imbatível e que os adversários também sabem jogar e
podem vencer.
A decepção de 1950 foi esquecida pela maravilhosa vitória da seleção
brasileira na Copa do Mundo da Suécia em 1958, quando mostramos ao mundo
craques espetaculares como Pelé, Garrincha, Didi e Nilton Santos, entre outros.
Em 1962, no Chile, repetimos a dose, o mesmo acontecendo depois, no
México, em 1970, quando fomos tri campeões mundiais.
Os jogadores brasileiros passaram a ser considerados os melhores do
mundo, e houve um grande êxodo de jogadores para o exterior.
Quando o Brasil entrava em campo, os adversários tremiam diante da camisa
amarela de nossa seleção.
O Brasil alcançou o tetra e posteriormente o penta campeonato, sempre
demonstrando muita técnica, garra e superioridade ante os países mais poderosos
do mundo na prática do futebol.
Fomos acostumados a ganhar. O Brasil era considerado por todos o país do
futebol, e sempre entrava em campo para disputar o título de campeão.
Quem viu jogadores do nível de Zizinho, Ademir da Guia, Leônidas, Didi,
Garrincha e o maior deles, Pelé, não pode entender como hoje aquele futebol de
sonho tenha se transformado em um futebol monótono, de troca de passes no meio
do campo, sem trazer perigo aos adversários.
Durante 90 minutos, são poucos os lances de brilho, de jogadas
individuais acima da média, de demonstração de garra e de vontade de vencer.
Estamos perdendo a antiga valentia, a classe, o improviso característico
do jogador brasileiro.
Os técnicos de hoje armaram defesas que baseiam o seu jogo muito mais na
força física do que na técnica, e não conseguem mais usar da grande capacidade
de improviso dos craques, pois os chamados craques de hoje não são nem de longe
a sombra do que foram os do passado.
Com tristeza, nos dias de hoje, vemos a camisa amarelinha de nossa
seleção, tão cheia de glórias, ser vencida com relativa facilidade por seleções
de países que sempre foram derrotados por nós.
Ainda bem que a seleção brasileira feminina está se apresentando ao mundo
com o brilhantismo que esperávamos de nossa equipe masculina.
“Quousque tandem patientia nostra”, futebol brasileiro.
SBC, 19/08/2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário