Ary Brasil Marques
Estamos vivendo uma época de
grandes transformações. Aproxima-se o fim de mais um milênio. As maravilhas
tecnológicas são tantas e a rapidez das informações tão instantânea que não
conseguimos acompanhar a marcha do progresso. A par de tudo isso, a liberação
dos costumes e a influência enorme dos meios de comunicação na vida de todos,
fez explodir uma onda de corrupção, de sexo e de violência.
Vale tudo e tudo vale. A
ordem é: mexa-se, libere-se, assuma, divirta-se, leve vantagem em tudo. O
resultado dessa ampla liberação do ser humano está nos jornais.
Todos os dias fala-se de
corrupção, de estupro, de violência, de atentados. E a impunidade campeia. Como
são tantos, a maioria talvez, que se deixaram levar pelas sensações e prazeres
do mundo, que se torna difícil punir os transgressores, pois consideramos
transgressores aqueles que se deixam apanhar. Os outros, são cidadãos
respeitáveis.
E na ânsia de mudar,
passamos a ser comentaristas da vida alheia. Nas rodas de amigos, no recesso do
lar, no serviço, em toda a parte, não fazemos outra coisa senão comentar,
fofocar, criticar. Nos arvoramos em juízes da conduta dos outros, gritando a
quatro ventos que é necessário punir os culpados.
Muitos pedem a pena de morte,
outros gritam pedindo, pasmem, a mutilação daqueles que consideramos criminosos
ou que chamamos de animais, como vimos estarrecido num debate de televisão que
reunia senhoras para atacar a violência, defender o que é justo, só que com
soluções igualmente violentas. E nessa grita, nos esquecemos dos princípios
básicos de defesa, de que alguém só pode ser considerado culpado após ter sido
dada a essa pessoa a oportunidade de falar, de se defender.
Estamos iguais à multidão
sedenta de sangue que se acotovelava no circo romano. E como eles, gritamos
pela execução, pela morte, pelo suplício de nosso semelhante, nos esquecendo
que violência gera violência e de que não podemos julgar o outro pois estamos
todos no mesmo barco, onde predominam as orgias, a falta de respeito, o
materialismo grosseiro (É só ver um filme na TV, ou assistir uma novela, um
debate, um programa humorístico, que comprovamos esse fato). E depois queremos
mutilar o estuprador.
Será que aquele homem rude,
inculto, que vê todos os dias filmes e exemplos de conduta em todos os meios de
comunicação, que deu vazão aos seus instintos mais grosseiros, é o único
responsável pelo ato que cometeu?
Mas nós queremos punir. Nos
babamos de alegria quando um ministro é denunciado por corrupção. Não admitimos
a hipótese dele ser inocente, isso não conta. Berramos pelo castigo, achamos
que assim agindo estamos lutando pela melhoria do mundo. Se alguém é acusado de ter arremessado uma
bomba em campo de futebol, causando uma morte, não queremos saber de dar a oportunidade
ao acusado de se defender, pois para nós, os juízes onipotentes, ele é culpado
a priori, deve pagar, deve ser preso, e se for um estuprador que morra, que
seja mutilado.
Como no circo romano, a
multidão urra. E o interessante é que se lançarmos um olhar sobre a
arquibancada do enorme circo que reúne os acusadores, vemos que lá estão
pessoas de bem, jornalistas, professores, médicos, religiosos, inclusive
espíritas. Toda essa gente quer mudar o mundo. Só que ninguém procura seguir o
exemplo maior do Mestre único, que nos ensinou a nos amarmos uns aos outros.
Ninguém está pensando em
eliminar as causas de todos esses males, ninguém está colaborando na educação e
na orientação das pessoas, em cuidar com carinho da infância e da juventude sem
levar para os que ainda estão em formação os nefandos exemplos de uma vida
voltada para o materialismo puro.
Queremos condenar. Somos os juízes.
Somos os carrascos. Somos os certinhos. Todos os outros são ladrões,
malfeitores, corruptos, bandidos.
AQUELE QUE ESTIVER SEM
PECADO, QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA.
SBC, 08/04/1998.
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